Does it make any sense?! No? So, welcome.
27
Jan 10
publicado por Andi, às 18:25link do post | comentar

 

 

A inevitabilidade das coisas é algo atroz. Tenta-se prever, tenta-se avisar, mas nunca nos sentiremos preparados para a inevitabilidade da vida. Ou da falta dela. Espero que melhores. I really do.

música: Eric Clapton - I Shot the Sheriff

03
Abr 08
publicado por Andi, às 20:57link do post | comentar | ver comentários (9)

O sol encontrava-se escondido por trás de nuvens negras e espessas que teimavam em aparecer, e que ameaçavam a metrópole de chuva iminente. Aquela chuva miudinha e irritante, ao início, e depois grossa, formando autênticas cordas de água. Opacas, frias, e com uma intimidade provocativa, imiscuindo-se nas roupas grossas dos transeuntes, e deslizando pela pele arrepiada de suores frios. Existia quem se pusesse debaixo da chuva só para sentir essa sensação, havia também quem a evitava a todo o custo.

Cristiano era uma dessas pessoas. Encontrava-se na estação de metro, suja e vandalizada, com cartazes publicitários anunciando produtos inúteis e fúteis , na sua opinião, e que escondiam as paredes repletas de frases escritas a corrector denunciando as paixões de miúdos imberbes e raparigas ingénuas e sonhadoras.

Nada disto lhe dizia algo, nenhuma recordação, memória por mais breve que seja era desperta na sua mente. Aliás nem conseguia pensar em nada, estava tanto frio que parecia que cortava, mas estava protegido ali, da chuva... e das outras pessoas. Os outros... Detestava a sua companhia, os seus olhares perscrutadores à procura de um sinal, uma fraqueza, olhares insaciados de mesquinhez e banalidades. Não que o conhecessem, não , ninguém o conhecia.  Também não se dava a conhecer, nem queria, nunca saía de casa, nunca, esta era uma das raras ocasiões em que era obrigado a sair de casa, tinha de ir renovar o Bilhete de Identidade, burocracias que ele dispensava bem, se o pudesse. Não saía de casa há dois anos e meio, e nada havia mudado naquela cidade cinzenta e monótona.

Ouviu o barulho do metro a chegar. E o aglomerado de pessoas a aproximar-se, afastou-se um pouco mais, ficando numa zona sombria da estação. Não gostava de se misturar no magote de pessoas, e o seu coração batia mais depressa perante a perspectiva de uma viagem de meia hora até ao local pretendido, e depois meia hora de novo para trás. Que suplício!

 

Foi o último a entrar, evitando qualquer tipo de contacto, com os outros, nem olhava as pessoas directamente. Sempre de cabeça baixa entrou no metro que se encontrava abafado, infestado de micróbios e bactérias das outras pessoas, uma amalgama de agentes infecciosos todos reunidos no mesmo lugar. Não se sentava nunca, ainda se houvesse lugar, como naquele caso não havia. Mas sentar-se onde já se sentaram milhares de pessoas fazia-lhe confusão! Portanto ficou de pé, agarrando-se aos bancos, sempre com luvas, evidentemente. Aí a porta fechou e começou a invadi-lo uma sensação de mal-estar, de sufoco, mas que conteve com muito autocontrolo .

 

*

5 minutos

Ainda não percorreram quase nada do trajecto e já estão a parar novamente, mais pessoas entram, outras saem, uma confusão de pessoas a acotovelar-se e a sofrer empurrões deste e daquele outro. E Cristiano , lá no meio, branco de não apanhar sol, com umas olheiras negras profundas, metido dentro de uma camisola preta, e umas calças de ganga que lhe ficavam a dançar, completado com um casaco comprido por cima, umas luvas e um cachecol, todos de cor escura e lúgubre, que lhe davam um aspecto estranho, no entanto não deixava de ser atraente. Cabelos luzidios pretos, olhos verdes claros e brilhantes, mãos finas e os seus vinte e seis anos à flor da pele faziam com que muitas mulheres se sentissem tentadas a olhá-lo demoradamente, ou mais que uma vez.

*

10 minutos

 

Nada disso o interessava. Não mantinha relações com ninguém, apenas tinha os avós que já eram idosos e que viviam no interior do país. Perdera os pais há uns seis anos, e desde então tem vivido sempre sozinho no seu apartamento pouco mobilado, sem fotos, sem imperfeições que mostrassem a sua vida, nenhum arranhão na madeira causado por algum salto alto de uma mulher que poderia ser a sua, nenhum objecto partido por um miúdo que poderia ser um vizinho, sobrinho, filho até! Filhos, ha !, nada mais afastado dos seus pensamentos...

Um casal de adolescentes namorava num dos bancos, trocando beijos afectuosos, dando as mãos e partilhando sorrisos e confidências. Cristiano observou-os. Observava as outras pessoas quando tinha a certeza que nenhuma delas o observava, fazia-o sentir invisível, como gostava, uma espécie de divindade que podia observar todos e saber os seus segredos, os seus vícios... Passava despercebida a maior parte dos detalhes fundamentais às pessoas comuns, que usavam o metro todos os dias e que já estavam habituadas a não ver, embora pensassem que vissem. 

Como era incrível encontrar pessoas diferentes num metro, por momentos alheadas da sua vida. Como se aquele metro fosse uma membrana protectora do que existia lá fora... Mentiras, desilusões, amargura, pessoas que ansiavam por sugar toda a felicidade que tinham, ainda que essa felicidade fosse efémera.

À sua frente encontrava-se uma senhora de, aproximadamente cinquenta anos, roliça, de cabelo pintado de castanho escuro, com olhos redondos e mortiços. Perguntou-se sobre o que a atormentava, que medos, que segredos escondia, o que fazia com que roesse as unhas até ao sabugo, e descuidasse da sua imagem, visto que as raízes apareciam brancas já. Os sapatos desamarrados, a alheação a tudo...

 

Enfim, já se começava a impacientar com a lentidão do Tempo.

*

15 minutos

Metade da viagem, e o metro cheio. O suor escorria-lhe pela cara lívida, embora o calor nem fosse tanto. Estava meio de um monte de pessoas, que falavam demasiado alto, gesticulavam expressivamente, e que não paravam de se mexer. Isso enervava-o. O que o enervava também era os solavancos do metro a arrancar e a parar, o que fazia com que os passageiros ao seu lado, caíssem por cima dele constantemente. Tentava afastar-se, mas não o conseguia fazer a tempo. Tocavam-lhe. Magoavam-no. Punham-lhe os pés por cima. Não suportava as suas caras de simpáticos, sempre murmurando um "Desculpe!", ou "Sabe como é, ir em pé...", os sorrisos afectados, tudo parecia fazer chacota dele.

Olhou para o relógio mais uma vez.

Um cheiro nauseabundo enche o ar, que se torna pestilento e doentio. Alguém vomitou. Provavelmente uma criança, de uniforme azul, que encontrou na segunda paragem, vinha com ar bastante adoentado, penso ele.

Após algum tempo, não conseguiu pensar em mais nada, apenas aquele cheiro pestilento e nauseabundo, que lhe toldava a mente, atenuava todos os outros sentidos, só conseguia lembrar-se do dia em que vomitou num autocarro, andava no sexto ano. Nem sabia como se tinha lembrado de tal facto, já havia passado tanto tempo. Já nem se reconhecia como aquele rapazinho pequeno e franzino, que usava óculos redondos, e que falava com todos, embora não tivesse muitos amigos. No entanto, o cheiro forte voltou a inundar a sua mente, e essa lembrança desvaneceu. Agarrou-se com mais força.

*

25 minutos

Reparou num rapazito franzino que se encontrava sentado uns bancos à frente, ao lado da mãe. Tinha estado parado a viagem toda, pelo menos assim parecia, pois só lhe conseguia ver a cabeça pequena. Então o rapazinho olha-o de forma estranha, inusitada com curiosidade, numa expressão que lhe devia ser intrínseca , infantil e ao mesmo tempo madura, e um pouco acusativo.

Ficou um pouco espantado, mas depois reparou melhor nas feições do menino que deveria ter uns nove anos, e não lhe eram estranhas. E isso sim, era algo quase irreal, uma vez que achava as pessoas todas iguais... Mais que curioso, sentiu-se perturbado. Afinal, não era só ele que via o que os outros não viam.

 

*

30 minutos

A porta abriu-se e saiu num misto de alívio e repreensão. Já cá fora, pôde respirar um pouco, não ar puro, mas sim uma combinação de ar e fumo proveniente das mais diversas fontes. E então lembrou-se! Já sabia quem poderia ser...

Enfiou as mãos na algibeira, e evitando as outras pessoas lá se dirigiu ao seu destino.

 

Imagem retirada de Deviantart


Como esta viagem, existem mais longas, sem grandes percalços e onde nem damos pelo tempo passar. Viagens que nos modificam e transformam. Já há três meses que viajo contigo, num ritmo  suave e tenho ganho alguma bagagem, essencial, e tenho adorado. Espero continuar a viajar...

 

música: Mess Around - Ray Charles
sinto-me: feliz

12
Ago 07
publicado por Andi, às 14:44link do post | comentar | ver comentários (2)

Seriam aproximadamente 7 horas da madrugada, não sabia bem, estava desorientada, não conseguia orientar-se nem situar-se no tempo nem no espaço.

Correu um bom bocado, antes de chegar ao porto onde se encontravam pequenos barcos de pesca, saloios, rústicos, simples e humildes como os seus propietários.

Havia um pescador a preparar-se para partir para a labuta matinal, árdua, mas prazerosa, quando reparou nela, alta, com um ar traquinas e maroto, infantil, mas ao mesmo tempo havia uma réstia de mulher adulta e experenciada que deixava antever que ela era muito mais madura e vivida do que parecia. Pela sua roupa e pelo seu aspecto ensanguentado, o pescador presumiu que ela fosse da Instituição que ficava a alguns quilómetros da praia. Sim, só podia ser.

Fantasia, com os sentidos em sobressalto, tentando ver, ouvir, ou sentir a menor presença de pessoas ou de perigo, apercebeu-se que alguém a mirava com olhar curioso e incrédulo, sentia-se vigiada, mas não num aspecto maldoso ou pernicioso. Era um olhar de interrogação, de curiosidade, de quase compreensão pelo estado em que ela se encontrava. Então, contra tudo o que ela sentia e detestava nas pessoas decidiu aproximar-se do dito pescador, um pouco nervosa e pouco descontraida, mas a fome que sentia era maior, apertava-a, não a deixava pensar claramente, sentia a boca seca, o corpo torpe e fraco.

O pescador de seu nome, José, era um homem simples, de pouca cultura, de poucos estudos, nem sabia escrever o seu nome, mas percebia algo que nem os mais distintos doutorados percebem, uma linguagem escondida no olhar, nos gestos, uma espécie de código secreto que as pessoas têm... Pegou na sua sacola puída pelo tempo e pelo uso e tirou metade do seu almoço, e, imediatamente, estendeu-o no seu barco. Quando Fantasia se aproximou dele, ele não disse nada, apenas fez um gesto para o barco, ela percebeu pelos seus olhos, pelos seu modo de estar e de agir, que ele era uma pessoa inofensiva e pacífica, que apenas pretendia ajudar.

Saltou então para dentro do barco, cuidadosa, mas ainda com vigor, pois apesar de tudo era jovem e forte. Começou a comer ferozmente, tal era a fome que tinha. Quando acabou de comer, já refeita e saciada, e sentindo-se mais segura, é que reparou que o pesacdor não se tinha limitado a dar-lhe de comer, tinha-a levado no seu barco para a pesca também! De súbito, sentiu uma onda de pânico percorrer-lhe o corpo cansado, mas alerta, ficou com calor, e começou a respirar pesadamente. Nunca tinha andado de barco, nem tão pouco estado tão perto de tanto mar! Fechou os olhos e tentou não sentir as ondulações que se esbatiam contra o barco, que pareciam querer tragá-lo só de uma vez. José sentiu o seu medo, e parou de remar para que Fantasia não se assustasse mais, e esperou, esperou que ela tomasse coragem e abrisse os olhos, que reparasse na forma como o mar lhes dava as boas-vindas, este reflectia a luz ainda ténue do sol, e estava calmo...

Agarrou o seu búzio, o seu presente, que apesar de ser de metal, ela considerou ser uma espécie de búzios muito rara e especial, e abriu os olhos, lentamente. Sabia que o mar era seu amigo, mas não deixava de ter medo da sua imensidão, do seu poder e força. O que viu, fê-la esquecer o medo que sentira, a dor, o medo da ser prisioneira, fê-la esquecer que havia Instituição, de que Arminda estaria fula, nada... Não havia nada mais, apenas ela e o mar, e o céu límpido e claro, com o sol a despontar, o mar adquiria uma tonalidade esverdeada e permitia-lhe observar os animais que nele habitavam... Estava maravilhada, nunca pensou que o mar não tivesse fim, e olhou para trás e viu a costa, a praia, as casas, muito distantes, diminutas, insignificantes, sentiu-se dona de si, imponente, ela mesma! Pela primeira vez em algumas semanas falou espontaneamente, e disse apenas "Fantasia!"...

O pescador sorriu levemente de satisfação, já começava a gostar dela, da rapariga misteriosa, que parecia gostar de viver, de apreciar as coisas simples da vida, e decidiu continuar a remar. A rapariga abriu os olhos perante tal espectáculo; luxuriante, inebriante e excitante era aquele sentimento, que não conseguiu definir. Mas não se importou de deifinir, seja o que for, não sentia essa necessidade...O barco, apesar de pequeno, era conduzido velozmente pelas mãos experientes de José. Dividia o mar em dois, cortava as ondas em dois, parecia uma corrida entre o barco e o mar. Pôs a mão na água e sentiu. Sentiu o mar, veloz, fugidio, suave, e inatingível. Gostava daquela sensação, estava de mãos dadas com o mar, e eram amigos. Brincou com ele, acariciou-o e disse-lhe os seus desejos e segredos.

Continuou naquela brincadeira, naquele jogo de conhecimento mútuo, o resto do dia, enquanto José trabalhava, e sentiu-se bem, sentiu algo parecido com felicidade, mas muito para além disso. Sentiu-se livre...
sinto-me: fantasia...
música: Nothing in my way - Keane

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