Perplexa, Fantasia estancou perante os dois responsáveis, por assim dizer. Arminda, que já conhecia perfeitamente, para seu desagrado, e o seu anjo da guarda, que se lhe revelava, pouco a pouco, uma desilusão. O olhar inquiridor e sem vida de Alberto que a perscrutava à busca de algo de maldoso, um defeito qualquer a denunciasse e que a pudesse vergar e envorgonhar. E, depois, obviamente o facto de Alberto parecer amigo de Arminda fazia com que a rapariga desconfiasse instintivamente dele. Aliás, achava que havia algo de inócuo naquela relação, aparentemente amistável, pois duvidava seriamente que alguém tão amargo como Arminda pudesse ter amigos, pudesse vislumbrar algo mais que não fosse a disciplina e a honra daquela Instituição, com tudo o que isso significava, pois Fantasia não percebia tanta devoção por parte de Arminda.
Alberto e Arminda igualmente paralisaram perante Fantasia. Arminda que queria parecer recta e justa perante Alberto aclarou a voz o mais que pôde, e disse a Fantasia :
"Minha menina, vai já directamente para o seu quarto e vai ficar durante duas semanas sem sair da Instituição, nem para aqueles passeios à praia, nem para outra coisa qualquer... E o seu material de pintura vai ficar guardado também, entretanto."
Fantasia continuava imóvel. Parecia não ter percebido o conteúdo da conversa de Arminda, ou então estava espantada tal pela maneira educada como a sua responsável havia lhe falado. Ela voltou a repetir o que havia de dito, contudo, numa forma mais infantil. Nada aconteceu.
"Não ouviste o que a Arminda disse?? Vai para o teu quarto já! Ah, e estás proibida de falar com o Pedro, ou de sequer te aproximares dele. Agora vai, antes que o teu castigo aumente!!"
Alberto ao falar começara a ficar vermelho e a comprimir nervosamente as mãos.
Fantasia ainda estava pregada ao chão, só os seus olhos se moviam, e saltitavam entre Arminda e Alberto, completamente perplexos. Por um lado, a gentileza de Arminda, por outro a brusquidão do seu anjo da guarda, e finalmente, o seu castigo... Mas de quê? Não deviam estar a falar do que aconteceu com Pedro...Ela só queria reaver o seu búzio, que lhe fora roubado!! Mas, aparentemente era disso mesmo que estavam a falar.
Então num gesto de absoluta convicção abanou a cabeça muitas vezes. Percebendo a teimosia da rapariga e a recusa perante o castigo, instalou-se uma discussão acalorada. Alberto gesticulava muito, e queria que fosse aplicado um castigo severo a Fantasia, não só pela sua agressão, mas também pela sua falta de educação e respeito pelos seus responsáveis. Arminda, por sua vez, tentava amenizar a situação, e confortar Alberto dizendo que o castigo seria irrepreensível, e um exemplo para todos naquela Instituição, e ainda, que Pedro estaria na mais perfeita segurança ali e que Fantasia não o iria incomodar.
A conversa decorria, entretanto, Pedro alertado pelo alarido apareceu na sala e viu os três. Fantasia que o fulminou com o olhar e que, finalmente se libertou da falta de movimentos e se dirigiu ao seu quarto pois viu que nada poderia fazer, por enquanto, e num misto de resignada e magoada pelo que o seu anjo da guarda se revelara, arrastou-se pelo corredor e entrou na terceira porta da direita. Ainda foi interpelada por Pedro, mas ele percebeu que não valia a pena dizer nada, e também não queria arriscar-se a ser atacado mais uma vez, e piorar a situação da estranha rapariga, que pelo que ele podia ver já era má o suficiente.
Durante meia hora Pedro conversou longamente com Alberto acerca do castigo de Fantasia. Mas não mudou nada. Tudo se manteve, e se ele não parasse com aquela conversa quem seria castigado seria ele.
Sentindo-se impotente, Pedro dirigiu-se para o seu quarto, o segundo da direita. No seu pensamento apenas o que o alegrava era o facto de Alberto só ficar mais três dias ali...