Acordou com a sineta a tocar estridente, aguda, monótona.... Pois ao longo de todo aquele tempo, já se habituara a tudo naquele local... Gostava disso, de se habituar, de saber o que a esperava.... As fardas pequenas, a comida sem gosto, o trabalho árduo, a medicação diária, e sobretudo a exclusão.... Ninguém lhe falava porque já sabia que não obteria resposta, e se obtivesse seria tão repetitiva, tão sem nexo, sem lógica que seria o mesmo que não dizer nada. O mais provável seria ela responder "Fantasia", pois repetia essa palavra até à exaustão... Dias e dias sem dizer mais nada do que aquilo, sem se expressar, sem gestos nem caretas... É por isso que lhe chamavam "Fantasia", pois pouco ou nada mais ela lhes dizia... E nada sabiam sobre ela...
Mas ela gostava de ser assim... Tinha os seus hábitos, as suas coisas e detestava que alguém lhes mexesse. Mas tal não acontecia há muito tempo, pois da última vez que tal acontecera a Joana tinha ido parar ao hospital com um braço partido e uma quantas nódoas negras... Fantasia não gostava de sair da casa, não gostava de passear, gostava sim de desenhar e pintar, de estar sossegada no seu canto a olhar a sua colecção de conchas e de búzios, pois a casa ficava relativamente perto da praia. E esse era o único lugar que ela frequentava para além da casa.
Sim, Fantasia era autista, embora quase niguém reconhecesse, para todos não passava de uma rapariga infantil, anti-social e louca... Vivia numa Instituição desde pequena, pois a sua família não tinha meios nem coragem para albergar na sua casa e na sua vida alguém tão diferente. E por enquanto, é tudo o que necessitam de saber sobre Fantasia...