O dia acabou por chegar ao fim, inexoravelmente. Terminou da mesma forma o trabalho, e o agradável passeio de Fantasia.
De volta a terra, Fantasia despediu-se e não prometeu voltar, pois não acreditava em promessas, até porque nem ela nunca fizera uma, nem lhe haviam feito alguma. Não se relacionava com as pessoas, tentava fugir delas, abstrair-se, não ouvir as suas vozes secas, monótonas, hipócritas e falsas.
Mas José conseguira alguma simpatia da parte dela, invés da apatia normal e rotineira que nutria pelas pessoas. Subitamente surgiu uma questão inevitável na sua mente "Para onde iria?". Por muito que José tenha sido compreensivo e simpático, não se iludia, sabia que ele não tinha como alojá-la, que tinha família para sustentar, via isso no seu olhar cansado, mas ao mesmo tempo prazeroso, do ofício da pesca. Ele também parara, pensativo no futuro que teria aquela rapariga doce e calada, queria poder fazer algo para poder ajudá-la. Mas que poderia ele fazer? Um simples pescador,sem estudos, sem lugar onde acolhê-la, sem recursos...
Decidiu então levá-la para a Instituição, sabia que ela vivia lá. Nunca a tinha visto na aldeia, e alguém tão especial como ela não devia passar desapercebida, se bem que, regularmente, pelas razões erradas. Mas, paciência, nem tudo é como desejámos, penou ele. Fantasia compreendeu as razões dele, e não pode deixar que ele não tinha outra opção...
Mas custava-lhe tanto voltar outra vez àquele suplício diário e inimterrupto que era a sua vida, ou a falta dela na Instituição. Arminda, solidão, prisão, todos aqueles que habitavam a Instituição e a olhavam com desprezo e arrogância, o próprio edifício que a asfixiava e não a deixava respirar...
Mas não tinha outra solução que não voltar para lá, por enquanto. Não suportava pensar que iria passar lá muito tempo. Iria arranjar uma forma de fuga, contudo não iria colocar o pobre pescador em apuros, não, a única pessoa que a tratou com gentileza, sabia ser simpática e retribuir a pessoas que fossem bondosas consigo.
Então, José apontou-lhe o caminho e Fantasia lá seguiu, cabisbaixa, mas simultaneamente e interiormente deliciada pelo dia que havia tido. Sabia o que a esperava, mas uma vez mais essa sensação de distanciamento a tudo o que a repugnava tornava-se evidente. Momentos como a viagem de barco, a companhia de José e outros mais que vivia perto do mar contribuiam para esse sentimento.
Quando olhou para trás, viu que, surpreendentemente, José estava no seu encalço e a levava à Instituição. Nada disseram. Seguiram o caminho sinuoso, de terra batida, e um tanto ou quanto estreito.
E finalmente chegaram ao portão da Instituição, velha e no entanto imponente. Fantasia avançou em direcção ao portão, e quando ia abri-lo, voltou-se para trás, e disse "Fantasia." para o pescador. Um aceno de cabeça como prova de aprovação em relação àquele agradecimento sincero. Entreolharam-se, os dois, e trocaram despedidas de amigos, com a esperança, e ao mesmo tempo, a certeza de que se encontrariam novamente. Ao contrário do que esperava, José não foi logo embora, tirou um búzio da algibeira gasta das calças simples e escuras. Sabia que ela ia gostar de algo que lhe lembrasse verdadeiramente o mar.
Pousou-lho na mão trémula e expectante, e fez-lhe sinal para o ouvido. Seguindo o conselho de José, ela levou o búzio ao ouvido e ouviu a voz do seu amigo, uma simples e doce melodia, ali dentro daquele objecto estranho, fitou-o com curiosidade e deu-lhe várias voltas, mas acabou por guardá-lo no bolso, sunto do outro presente que havia recebido há poucos dias atrás, o seu objecto de metal estranho.
Retribui um sorriso sincero e rasgado ao pescador, e voltou-se para o jardim mal tratado da Instituição. E aí sim, se despediu de José.
Já podia ver Arminda, na porta, à espera.....