O Verão começa hoje. Em miúda sempre associou o Verão a um fruto grande e maduro, e vermelho. Suculento e luzidio. Que daria uma sensação de prazer quase orgásmica ao comê-lo. Óbvio que não pensou nestes termos, mas o pensamento era o mesmo. Saía de casa com as suas saias com bolinhas laranjas e ia pelas ruelas acima e abaixo na sua bicicleta rosa choque. Os outros meninos também tinham bicicletas, e acompanhavam-na. Iam para o outro lado da vila, onde havia um pequeno lago e árvores verdes e frondosas, que davam uma sensação de frescura perante o calor agonizante de certas tardes de Verão. Cerejas, morangos, maçãs, peras, mirtilos, amoras, melancias, melões... Gostava de ir ao supermercado ver as frutas dispostas nas bancadas, e as várias pessoas a experimentarem-nas, a apertarem-nas, até elas libertarem a sua essência nutritiva. Parecia que apenas procuravam isso, sentir as frutas quase a desfazerem-se nas suas mãos ansiosas.
O Verão começa hoje. Que bom! Tinha que procurar as suas saias, e montar na sua bicicleta para ir até ao lago, ou até ao supermercado com os seus amigos, a Rosita e o José.
"Vou sair. Antes de anoitecer estou em casa."
"Onde vais?"
"Vou ter com a Rosita e o José, o Verão começou hoje!"
"Senhora Ana, estamos em pleno Inverno, e a Rosita e o José não estão aqui."
Aproximou-se. E com alguma força ajudou a senhora Ana a voltar ao quarto, e pensou que teria que avisar o médico, pois a situação estava a piorar. Estava a chover a potes, e se não fosse ela, a senhora Ana teria saído para a rua nem se apercebendo do autêntico vendaval que se aproximava e pensando que era Verão.
Verão, Giuseppe Arcimboldo, 1573