A música toca, incessantemente. Aparente os senhores que trabalham na rádio não têm descanso, trabalham exaustiva e infinitamente. Isso fê-la estremecer. Trabalhar eternamente, não ter folga, não poder descansar, não poder estragar o alarme e deitar-se um pouco a ouvir música. Apenas a aproveitar o momento instantâneo.
Decidiu levantar-se. Estava farta de estar em casa, tudo estava igual como sempre, queria ver algo novo, algo que não dela, algo que ela não reconhecesse, algo que não ela. Passeou pelo quarto desarrumado, as suas roupas encontravam-se espalhadas um pouco por todo o sítio, por cima da cama, no chão, na secretária, os papéis sobre a sua investigação também, mas não fazia mal, orientava-se bem assim. Havia fotografias dela com a sua família e alguns dos poucos amigos chegados espalhadas aleatoriamente pelo quarto, assim como papeis, autocolantes, e lembretes de toda a espécie colados aqui e ali, rabiscados, pelo chão, debaixo da cama, enfim... Uma confusão onde ela se organizava, já tinha tentado organizar o quarto, mas, curiosamente, não encontrava nada daquela forma.
Decidiu então sair. O dia estava solarengo, embora algumas nuvens preguiçosas teimassem em não sair de perto do sol, o dia não poderia ser perfeito, pensou ela, teria de se habituar! A rua agitada não a deixava decidir que rumo tomar, então deixou-se guiar pelo fluxo constante das pessoas. Deu por si à frente de um café que lhe pareceu simpático, com um letreiro grande por cima da porta antiquada que em letras douradas e gordas dizia "Café das Letras", deu uma espreitadela pelas vitrinas de vidro e notou que tinha algumas pessoas, mas ainda havia espaços vazios, notou também que havia uma espécie de pequeno palco ao fundo do café, rodeado por poltronas e cadeiras de veludo de várias cores. Lá entrou no café, sem objectivo concreto, cheirava a café e canela, e sentou-se numa poltrona após um sorriso rápido ao empregado que estava no balcão.
Observou os frequentadores de café. Mas algo prendeu-lhe a atenção. Um casal que discutia acesamente, contudo sempre em voz baixa, a sua discussão era visível nos gestos exageradamente óbvios dela, e na inexpressividade dele. O seu interesse surgiu, qual seria o motivo da discussão, quem achava que teria razão, eram eles amantes? Contudo, tal interesse deveria ter sido disfarçado, pois após uns minutos o homem levantou-se, dirigiu-se à sua mesa e sentou-se à sua frente.