Atravessou os corredores tão bem conhecidos como todos os seus quadros. Conhecia infimamente todos os pormenores das suas pinturas, a textura, as cores, a sintonia ou a falta dela... Quando era obrigada a ficar na Instituição passava muito tempo a olhar para eles,ou então a pintar, era assim que ocupava os seus dias.
Rapidamente se encontrou na sala comum, vazia àquela hora, pois a maioria devia-se encontrar ao ar livre, no jardim ou então nas redondezas, provavelmente a aproveitar o bom tempo. Havia apenas umas ou duas pessoas no canto da sala velha e com um ar deslavado, mas estavam tão embrenhadas no que estavam a fazer que nem reparam no estado que Fantasia se encontrava. Tinha os olhos a chispar de raiva e indignação. Por fim, os seu olhar parou, e reposou em Arminda. Estava sentada numa poltrona da dita sala, e ao seu lado encontrava-se o que Fantasia considerava o seu anjo da guarda, mas não passava de um funcionário governamental, de seu nome Alberto. Conversavam em tom baixo e restritivo, e pareciam amigos.
A indignação deu então lugar à surpresa e perplexidade no espírito de Fantasia. Avançou lentamente, no entanto resoluta a prestar contas com Arminda, ela deveria saber que não admitia tal invasão do seu espaço, dos seus objectos, de "si"... Não respeitava Arminda, tal como ela não a respeitava. A sua suposta responsável inha muito mais do dobro da sua idade, não obstante tinha uma determinação e força de uma jovem, mas mesmo assim não achava um motivo válido para respeitá-la. Ainda mais agora, que ela tinha ultrapassado todos os limites.
Alberto e Arminda notaram na presença de Fantasia, e Arminda receou pelo pior, pois já conhecia suficientemente Fantasia, e nunca a tinha visto tão furiosa, tão ferozmente agressiva. Ninguém disse nada, não era necessário. Alberto, olhou consternado para aquela rapariga que parecia tirada de um manicómio, e que tinha uma parcela de animal selvagem, prestes a atacar caso invadissem o seu território. Pensou momentaneamente se fazia bem em entregar o Pedro ao cuidado destas pessoas. Arminda já lhe havia falado daquele caso problemático, que era aquela rapariga, mas nunca havia ligado muito. Afinal, Pedro era mais velho que ela dois anos e era rapaz, portanto só o facto de ser rapaz era mais que suficiente para aguentar bem com aquela pirralha, se bem que ela parecesse esperta...
Arminda, por outro lado, queria evitar uma confusão. Já havia dito o quão problemática era Fantasia, mas não queria arranjar problemas com o Director Fernando, nem tão pouco ser a causa de má publicidade para a Instituição. Sabia já qual o motivo de irritação de Fantasia. Avisou-o para não o fazer, mas o raio do rapaz foi mais curioso pelo que estava a ver.
Então, tentou mostrar-se o mais calma possível, e antes que Fantasia pudesse sequer pensar em cometer algum dos seus ataques fulminantes, disse-lhe pausadamente " Foi o Pedro, o rapaz novo, que foi ao teu quarto. Pedi-lhe para te ir acordar porque já era tarde. Queria que fosses tomar o pequeno-almoço com todos."
Cada vez mais perplexa e confusa com aquela situação, o facto de o seu protector se dar com Arminda, dele a olhar como todos ou, se possível, ainda pior, de Arminda apesar da sua esperada simpatia fingida, parecer sincera. Eram demasiadas informações a processar, demasiadas coisas que não esperava. Ainda tentou perguntar onde estava esse tal de Pedro, mas como tinha bastantas dificuldades em falar, não se conseguiu fazer entender. Cada vez mais irritada, consigo mesma também, decidiu sair dali e procurar ela mesma esse rapazinho, já nem gostava muito dele, pois fora ele o responsável pela mudança do seu anjo da guarda. Todavia, se tiver sido ele a ir ao meu quarto, pensava Fantasia, como Arminda havia dito, passaria a gostar tanto dele como dela...
Procurou-o pela casa toda, e igualmente, pelo jardim da Instituição. Mas, só o foi encontrar sentado no cais. Aproximou-se apenas o necessário para que ele sentisse a sua presença. Nem o observara minimamente no dia anterior, mas só podia ser ele. Não era pescador, e sem ser os pescadores, mais ninguém ali ia, exceptuando poucas pessoas da Instituição.
"Fui ao teu quarto hoje, mas como estavas a dormir profundamente,decidi não acordar-te. Mas vi os teus quadros. São muito bonitos." disse Pedro, quando se virou e viu-a, especada à espera de uma justificação. Ainda acrescentou "Tirei um pequeno búzio que lá estava, como tinhas muitos, e como gostei dele, pensei que não faria mal.", e mostrou o búzio, que mesmo a uma distância significativa, Fantasia reconheceu como sendo o búzio oferecido por José.
Agindo instintivamente,avançou na dirrecção de Pedro, e na tentativa delhe tirar o búzio, que ele não compreendeu, acabou por arranhá-lo na cara e nos braços. Não esperando um ataque daquela natureza, e ao tentar defender-se caiu à água. Fantasia, que ficou também ficou um pouco ferida, contudo isso não a importava, pois o que a estava a magoar era o facto de se ver tão invadida, sentia-se roubada de si mesma, não foi atrás de Pedro, pois, apesar de gostar tantou do mar, não sabia nadar. Pensou que haveria de recuperar o búzio mais tarde, de qualquer forma.
Ainda tentando refazer-se do susto, da imprevisibilidade daquilo tudo, Pedro ainda vislumbrou a sombra esbatida de Fantasia, a correr descalça na praia,em direcção à Instituição. Acima de tudo, não conseguia deixar de pensar no quão estranho era aquela situação, aquela rapariga...