Does it make any sense?! No? So, welcome.
27
Out 08
publicado por Andi, às 22:02link do post | comentar | ver comentários (2)

Acção e descrição. Movimento e inércia. Verbo e adjectivo. Principal e secundário.

 

Antagonismos. Definições, eu diria mais, invenções de mentes controladoras do pensamento geral, que nada mais é do que uma generalização de um pedaço de pensamento degenerado por milhões de anos. Irónico como tudo o que pensamos ser dinâmico e vivo nada mais é do que um vazio desolador.

 

O pessimismo invade-me as veias, as artérias, os capilares, invade-me os espaços intersticiais entre as células, percorre todo o meu corpo, percorrendo indefinidamente toda a anatomia, também ela isenta de sentido.

 

 

A acção é sobrevalorizada. O movimento destituído de valor e sentido aos meus olhos é tudo o que é necessário à vivência de todos nós. Porque não observar minuciosamente o movimento inerte das paisagens, dos momentos fugazes e intocáveis de cada fragmento de tempo? Porquê fixar-se na acção, quando a dizemos, ela passa a ser passado, e nunca futuro, porque o futuro não existe, e o presente apenas o é quando deixa de ser. Não dizem todas as pessoas que não podemos viver agarradas ao passado?

 

Mais uma vez, exaustivamente e inutilmente venho repetir-me até que a artrite me venha atacar de tal forma que nem consiga teclar, a irracionalidade é uma forma de ser, é o que nos define. Já começa a ser demasiado repetitivo estar a repetir esta palavra, até mesmo quando não fazemos sentido. Existe um limite para (quase) tudo.

 

O tempo esmaga-nos, oblitera-nos os sentidos, esvanece a nossa criatividade, pressiona-nos apenas a fazer o que é suposto fazer, o que está marcado, o tempo não nos dá tempo.

 

Por vezes penso que tenho ideias demasiado ingénuas, demasiado puras, simples, por isso tudo o resto me parece descabido. Ainda assim apreciarei uma paisagem, uma descrição sempre que me apetecer, desrespeitando o tempo e a lei da acção.

 

 

 


Little Cabin Infrared by *lil-nitelite on deviantART
sinto-me: hopeful

18
Out 08
publicado por Andi, às 22:09link do post | comentar

O vizinho do apartamento da frente preparava-se para sair. Casaco castanho, calças pretas, camisola preta também, um guarda-chuva preto na mão, e um ar de cansaço estampado no seu rosto velho e enrugado. Barba por fazer de há uns dias. Cabelo desgrenhado. Estava mais débil do que há uns dias. Tinha de saber porquê. Ainda há cinco semanas e meia, às sete horas da noite, havia chegado uma ambulância a sua casa. Lembrava-se bem desse episódio. Piada dizer isto. Lembrar-se bem. Não havia nada que ele não quisesse lembrar e não o conseguir. Enfim, isto não se tratava dele. Tratava-se do vizinho da frente. António Morais, de nome, 57 anos, viúvo e vive apenas com um gato peludo e curioso, inclusive já tinha ido ao seu apartamento algumas vezes. Três, para ser preciso. Duas vezes no mês de Janeiro de há dois anos atrás e uma outra vez em Setembro do último ano. Não tinha nada contra animais, mas não estava habituado a ter companhia (pelo menos tão próxima), portanto esperava que o gato não voltasse ao seu apartamento tão rapidamente.

 

Voltando ao seu vizinho, o Sr. António, que agora fechava a porta antiga do seu prédio, cicatrizada por muitos defeitos imputados ao longo dos anos, e já um pouco torta, aliás em tudo semelhante a ele, tinha um ar diferente. Não sabia dizer porquê, e aliás algo deveria ser diferente dos outros dias, porque ele nunca saía de casa a esta hora. Estaria a ver o canal 7 da televisão até pelo menos às dez horas da noite. E ainda eram oito. Isso deixou-o pensativo. Lentamente, pé ante pé, lá se dirigiu o seu vizinho, rua abaixo até um destino desconhecido, pelo menos para ele, que observava. Agora já só conseguia vislumbrar uma silhueta, causada pelas luzes estranhas da rua, e que adulteravam o seu vizinho, diria que seria outra pessoa, talvez fosse. Talvez as pessoas se transformassem às escuras, confirmando aquelas histórias do papão que todos ouvimos quando somos novos. Provavelmente até mudam. Todos mudamos. A vida é uma inteira mudança, nada dura pouco nem muito para que possa ser absorvido de maneira correcta. A não ser pela memória. Ela é a única que pode comprovar a nossa existência. Não a nossa existência como seres humanos, tal como os outros animais. Mas a outra existência.A existência que todos achamos que temos, mas que poucos têm, a existência que importa realmente. Qual é ela? Não sabe. Ainda. Espera vir a saber.

 

 

Nesta altura já nem vê o vizinho apenas a rua vazia de noite ou de qualquer outra coisa humanamente visível. Tem piada, quando vivia na sua aldeia, as ruas continham algo, algo substancial, palpável, como se outro ser estivesse sempre lá, não deixando as pessoas sozinhas nunca. Contudo na aldeia era tudo um pouco monótono. Precisava de ritmo, movimento. Uma espiral de sensações e experiências que o arrancasse do torpor que vivia. Acabou por conseguir, em parte. Mas ainda buscava algo.

 

Um cheiro a café invadiu-o. Forte. Devia vir do apartamento superior, de vez em quando eles faziam café. Gostava do cheiro, aspirava-o lentamente, inspirava e expirava devagar, enquanto o cheiro persistisse. Mas não gostava de beber, sentia-se desiludido perante aquele sabor, quando comparado ao olfacto. Não lhe sabia ao mesmo, sentia-se sempre ludibriado. Não gostava disso.

 

Acabou por passar o cheiro. Então tomou o chá que tinha à sua berma no parapeito da janela. Sim estava sentado na janela, com as pernas balançando no lado exterior. Mas morava no rés-do-chão, não haveria problema se caísse, mesmo que quisesse que isso acontecesse. Enfim bebeu o chá golo, por golo. Esperando algo que acontecesse ali, que lhe despertasse os sentidos, arrepiasse os cabelos, abrisse a boca de espanto, ou trincar a língua de anseio, qualquer coisa. Esperava, observando.

 

 

sinto-me: doente (mesmo)

16
Jul 08
publicado por Andi, às 23:16link do post | comentar | ver comentários (2)

Tic-tac tic-tac tic-tac... Olhou de novo para o relógio que pertencera ao bisavó que dera ao seu avó e que dera ao seu pai, sempre na ocasião da partilha de bens, após a sua morte. O pai, porém deu-o quando partiu para o Ultramar, de certa forma foi também quando faleceu. Teria ele a consciência de que não voltaria intacto como havera partido? Que seria lembrado como um herói por ter regressado salvo de uma emboscada em que mais ninguém havera sobrevivido? Não sabia, e o pai nunca lhe falara nisso. Aliás, o pai nunca falava sobre nada, era como estivesse realmente morto. Pelo menos os mortos deixam saudade da sua companhia, os vivos-mortos não.

 

Um silêncio pairava sobre a sala, denso, quase palpável como nevoeiro em dia de morrinha. Pelo menos era assim que a sua avó dizia. Um silêncio ensurdecedor. Talheres tiniam, conseguia-se ouvir perfeitamente o sorver da sopa verde e pastosa por parte dos mais novos, o barulho do desassossego. Contudo, nada para além disso se ouvia. E isto era nada, portanto o silêncio estava ali presente, irrefutavelmente. Misturava-se com os objectos da sala, as cadeiras e a mesa de madeira escura envernizada, com alguns arranhões, apesar dos esforços da sua rica mãezinha em dar óleo nelas todas as Primaveras, numa luta infindável com o pó e o aspecto baço e desinteressante de tudo o que os rodeava. Infiltrava-se na carpete castanha, cor predominante ali, cor de terra, donde lhes provinha o sustento.

 

Cinco minutos passados. Tinha de se levantar e ir dormir. Eram nove horas da noite. Estava escuro lá fora. Um escuro húmido e friorento, que dava um arrepio na espinha, como se uma donzela lasciva se tratasse a instigá-lo a fazer coisas que não deveria fazer. Deveria resguardar-se desse escuro demoníaco. Levantou-se vagarosamente, tentando não arrastar a cadeira, e sem uma palavra encaminhou-se ao seu quarto e dos seus seis irmãos.

 

Não era necessário dizer nada. Estava tudo destinado a ser assim. Aliás, se dissesse algo, isso sim não seria agradável. Vestiu o pijama dessa semana, para depois a mãe lavá-lo e usá-lo e usar na semana após a outra.

 

Não lavou os dentes. Não era seu costume, se bem que o dentista o advertiu acerca disso.

 

Os lençóis davam uma sensação de frescura apaziguadora. Precisava disso. Tentou lembrar-se...Há quanto tempo tinha ido ao dentista? Não conseguiu lembrar-se, poderia ter sido ontem, ou há vinte anos atrás.

 

A verdade é que ele tinha 35 anos  e de nada disto se apercebia, a persistência das horas fazia com que tudo se tornasse igual, e monótono, nada que diferencia-se, nada que valesse a pena marcar a data poderia ser encontrado na sua vida. Só se lembrava do primeiro dia que ajudou o pai na terra. Ajudou, como quem diz, o pai observava-o a cavar a terra, como um menino que pela primeira vez despe uma rapariga, à pressa, com um nervoso miudinho de quem quer provar que é homem, quando apenas sente-se um miúdo que gostaria de voltar para debaixo das saias da mãe. A perna inexistente do pai ainda lhe fazia confusão na altura. Passados tantos anos, esse dia repetiu-se sempre. Todas as horas do dia sabia o que teria de fazer, o que iria acontecer. Efeitos da persistência das horas.

sinto-me: Féérias.....

14
Jul 08
publicado por Andi, às 16:43link do post | comentar | ver comentários (9)

"Façam uma carta para os vossos pais, escrevam o que lhes apetecer, mas têm de escrever um máximo de trinta linhas, e um mínimo de vinte."

 

Ordenou a professora, senhora do seu nariz arrebitado e pequeno. Os dedos sujos de pó de giz eram magros e aristocráticos, assim como ela. Limpou-os nas calças largas, e sacudiu-as com minúcia posteriormente.

 

Era professora há apenas dois anos e tinha-lhe calhado ficar ali, naquela serra encalhada, a morar numa casa onde nem tinha água, tinha de a ir buscar. Estava completamente saturada de dormir com os bichos, acordar com centopeias no seu quarto, de aturar os vizinhos sempre a perguntarem " A Senhora Professora precisa de algo?"... Só queria voltar a casa, ficar com os seus pais morar num sítio com algumas regras, disciplina, não ali onde tudo era desregrado, as acções submetidas ao capricho do coração e do livre arbítrio... Então as crianças, bem, nem queria pensar nisso...

 

Deixou-se cair na cadeira de carvalho velha e talhada das traquinices dos miúdos, estava a ficar desgastada daquele trabalho, daquele ambiente. Mas tinha de ter paciência, já faltava pouco tempo.

 

"Senhora Professora já acabei!"...

"E eu também!"...

"E eu"...

 

Aos poucos e poucos todos iam acabando a carta que a professora ordenara escrever. Já eram quase três horas, a escola estava a terminar por aquele dia. Foi mandando sair os alunos à medida que eles acabassem as cartas, havia de corrigi-las em casa.

 

 

Três horas. Só restava a Francisca, como sempre. Simplesmente, aquela rapariga não se conseguia despachar, parecia atrasada mentalmente!!

 

"Já está Francisca?"

"Ainda não."

 

Abeirou-se dela. Viu que já havia escrito uma folha inteira, o dobro do que ela tinha pedido de máximo.

 

"Não me ouviste a dizer que eram trinta linhas no máximo?"

"Ouvi, sim senhora professora."

"Então porque não fizeste só trinta?"

"Eu não consegui senhora professora, tinha tantas coisas para dizer, era tudo importante, se eu me esquecesse os meus pais ficavam tristes."

"Não podes fazer assim Francisca,  limites são limites, dizem-te até onde deves ir, se eu disse só trinta fazes só trinta, não interessa mais nada, escrevias menos, há sempre algo ou alguém que fica de fora, mas os limites são para se respeitar. Vá, toca a andar daqui."

 

 

 

O ar da serra penetrava-se em todos os poros da pele e parecia insuflar os miúdos que corriam, quase voavam pelo monte abaixo. Estava um dia solarengo, e o sol aquecia a terra, que exalava um odor quente e sensual, fazendo despertar nos animais reacções inesperadas.

 

Era dia de visita de estudo, a única no ano lectivo. Como era uma aldeia muito pequena, não podiam dar-se ao luxo de sair todos os trimestres, teria de ser daquela forma. Iriam à cidade ali ao pé, a um museu, e lá comeriam.

 

Um barulho rouco perturbou a calma e serenidade da serra, conjuntamente a um esfumaçar negro proveniente da camioneta que se avizinhava.

 

Era velha, pensou a professora, mas para sair dali por uma tarde, estava óptimo.

 

Encaminharam-se então, e após dez minutos de gritaria, lá conseguiu que todos se sentassem nos devidos lugares. Aos solavancos lá se dirigiram ao seu destino. Sensivelmente a meio da viagem a camioneta para. Repentinamente. O condutor sai. Pneu. Furado. Não existe outro.

 

Óptimo, pensou a professora e deixou-se afundar no assento de cabedal esfolado da carreira. O condutor teria de ir a pé à cidade buscar ajuda, ela ficaria ali a cuidar dos miúdos, mais uma vez...

 

Sentou-se. Mandou os alunos sentarem-se. Uma hora. Duas horas. Três horas. Um burburinho... Os alunos haviam juntando-se todos, encostando as suas cabeças miudinhas e curiosas.

 

"Que se passa aí?"

"Nada, senhora professora. Foi só a Francisca que está a partilhar o seu lanche connosco."

 

Francisca era a única que levava lanche, tinha alguns problemas de saúde, nada grave é certo, mas tinha de seguir a sua dieta rigorosamente.

 

A sua barriga estava já um pouco apertada. Não havia comido de manhã, com a pressa, e aquele calor provocava-lhe sede e sentia-se já meio zonza. Com certeza ela iria oferecer-lhe algo, era de bom tom, a mãe dela sempre o fazia, aquando as avaliações. Em passos miudinhos, e fazendo um barulho ritmado e suave, Francisca aproximou-se da professora.

 

E com tom inocente disse:

 

"Eu até dava à professora, mas não há mais, o limite foi ultrapassado, e não devemos ultrapassar limites."

 

Dito isto foi se sentar. Entretanto a professora agarrava-se ao estômago, tentando disfarçar a fome que tinha.

 

sinto-me: ilimitável

28
Jun 08
publicado por Andi, às 00:13link do post | comentar | ver comentários (10)

As pipocas deveriam surgir das ávores. Como por magia, por acaso... Não, por acaso não. Deveria ser propositado. Deveria ser natural e anti-natural, simultaneamente.Cresceriam no seu tempo certo. E apanhariam água até ficarem completamente  moles. E esperávamos que viesse o sol para que elas restabelecessem outra vez. E íamos apanhar quando tal acontecesse. Os miúdos traquinas e com os joelhos esfolados iriam de quintal em quintal roubar pipocas ate não poderem enfiar mais uma pipoca minúscula nas suas barrigas. Seria uma espécie de manta de neve que cobriria algumas regiões no Verão. 

 

Todos teriam uma. Nem que fosse na varanda do apartamento atarracado de velharias. E cada uma dela contaria a história dos seus donos, sobrevivendo enquanto eles o fizessem também. E deixávamos de comer pipocas apenas no cinema. Passaríamos a oferecer pipocas a alguém doente em vez dos sumos pastosos e de fruta esquisita cujo nome não conseguiríamos pronunciar correctamente. Nas escolas, os alunos passariam a comprar sandes com compota de pipoca, levemente adoçada.

 

As paisagens ficariam brancas puras, já que tudo o resto não o é. Não seriam conspurcadas, mas sim inocentes, oferecendo pequenos prazeres simples. Como, sentar calmamente a comer pipocas, aproveitando a companhia silenciosa de alguém. Ou falar das pipocas que nascem das árvores, como são magnificas.

 

O mundo seria tão melhor com pipocas a crescer nas árvores, não seria?!

 

(Foto retirada daqui)

sinto-me: maluca xD
música: Speed of sound

25
Mai 08
publicado por Andi, às 20:17link do post | comentar

Nada do que faço é útil. Estou preso a uma corrente inquebrável, insustentável e, no entanto, ela não existe. Mas eu sinto-a, arrasta-se atrás de mim, faz-me andar devagar, melhor não faz  andar. Maldita! Eu poderia livrar-me dela, eu podia fazê-la apodrecer nos meus pensamentos ácidos. Eu podia....

 

De repente as paredes já não têm o seu tamanho normal. Encolheram. Não consigo respirar, já quase nem consigo ver o ecrã. Sou um escritor quarentão falhado e deprimido, e com crises de claustrofobia...

 

 

"Querida vou dar um passeio, vou à rua."

"Bom, faz isso, eu fico aqui em casa a fazer o jantar."

sinto-me: ...
música: Radiohead - Thinking about you

14
Mai 08
publicado por Andi, às 20:29link do post | comentar | ver comentários (2)

Atirou-se  de um penhasco. No céu não se suicidavam, nem havia esse conceito. Mas ele fê-lo. Atormentavam-no. No céu!!! Tão bonito era o céu, cheio de flores, de pseudonarcisos, enormes e amarelos que exalavam um cheiro esquisito, e que supostamente, era bom, mas ele não gostava.

 

Teve morte instantânea. O sangue vermelho vivo e líquido escorria-lhe das entranhas para os orifícios, uma espécie de tubos que se alargavam, e que faziam o contacto entre a terra e o céu. Misturou-se na atmosfera. E fez-se chuva. Chuva vermelha. Chuva de sangue. Sangue de chuva.

 

Cá em baixo, no mundo terreno e sem interesse, ela se encontrava já preparada para a chuva, segurando na mão um guarda-chuva. As gotas translúcidas de sangue escorriam pelo guarda-chuva, e respingavam os seus pés. Ela não era ninguém. Não tinha rosto nem expressão. Era preciso?! Era apenas uma ela.

 

Continuou, ela na sua caminhada. E foi atingida por um raio. Um raio, que poderia ser de sol, um maroto, um curioso, que quisesse sentir alguém intensamente. Neste caso, ela. No entanto, ela morreu, mas continuou viva, e continuou.

 

Foi julgada pelos seus modos considerados hereges, que nada mais eram do que uma visão ingénua e puritana das coisas, e foi enforcada. Morreu, mas continuou. E conheceu um ele, um outro ele. E ficou grávida. Ele abandonou-a, claro. Nem merece aparecer na história. Ela morreu ao dar à luz. Desta vez morreu mesmo. O equilíbrio natural era mantido dessa forma. A morte dá lugar à vida, e vice-versa.

 

Mas como nem tudo é perfeito, ou pelo menos nós não o entendemos assim, e a filha nasceu com um defeito, ou uma característica diferente? Uma espécie de corcunda, que que aumentava todos os anos, e que a acabou por esmagar. Morreu.

 

 

Mas ao morrer alimentou diversos vermes, e outros necrófagos que acabaram eles próprios por se tornar enormes.  É através da morte que se chega ao céu, e foi através da morte dela que os vermes chegaram ao céu, o solo terreno era demasiado pequeno para eles.

 

Uma vez lá, atormentavam-no. A ele. Ou será que ele é que se deixava atormentar??

 

 

 

 

"Gostei da tua história."

"Não, é totalmente psicopata"

 

Os colegas de turma, olhavam para aquela suposta arte rabiscada no tampo da mesa, e da história inventada a partir dela. Será que aconteceu mesmo? Os olhos dele diziam que sim, e eram sinceros, além do mais, sei o que são pseudonarcisos, e só haveria uma forma de o saber....

 

 

música: Crying Shame - Jack Johnson
sinto-me: wtf? xD

11
Mai 08
publicado por Andi, às 15:10link do post | comentar | ver comentários (2)

1 de Novembro de 1901

 

 

Estava ajoelhado no banco de madeira dura e gasta da igreja havia já cinco minutos.  As mãos postas, os olhos fechados, a cabeça baixa, tudo levaria a crer que aquele pequeno rapaz estaria profundamente embrenhado no sofrimento de Jesus, que representava o sangue e a carne, o vinho e o pão. Contudo, ele estava com os olhos fechados, mas nada via, em nada pensava, apenas conseguia sentir os joelhos descobertos, devido aos calções curtos que usava, surrando na madeira que tinha algumas falhas e que o magoavam.

 

 

Finalmente o padre ordenou que se levantassem.

 

A missa prosseguiu e o Chiquinho, como lhe chamavam, estava já afogueado na roupa apertada, que tinha pertencido a um dos seus cinco irmãos, que já tinha morrido, de uma febre muito alta. Nunca o chegou a conhecer, era o mais novo de sete filhos, seis rapazes e apenas uma rapariga. Os seus pais, já de alguma idade, não haviam contado com a vinda dele, mesmo logo após a morte do seu irmão, a mãe apercebeu-se que estava grávida, mas nada lhe tirava o travo amargo que a perda daquele filho lhe causava, mesmo vindo outro a caminho, assim, foi com alguma indiferença que ela teve Chiquinho.

 

Apesar de tudo, Chiquinho era um rapaz contente e espevitado que passava os dias nos cerrados verdejantes a apanhar bichos e a rolar na erva, a apanhar erva azeda, ou mesmo atrás das cabras fartas do pai, que mal podiam correr, pelo excesso de peso, e pelo facto de terem as patas da frente atadas às de trás, o que lhes prendiam os movimentos. Chiquinho achava isto mal, mas não conseguia exprimir por palavras porquê, simplesmente quando se imaginava como sendo a cabra sentia-se preso e isso provocava-lhe uma sensação de mal-estar.

 

"... e o Senhor vos acompanhe."

"Graças a Deus."

 

Finalmente a missa terminou. Saiu da igreja robusta e forte, como uma anciã centenária com cabelos grisalhos mas ainda com forças para cavar no quintal se o dinheiro escasseasse e as colheitas fossem más, às vezes conseguia personificar a igreja, e imaginava-a como essa anciã, que em nova fora mulher bonita e viçosa e que amamentou todos os seus filhos sem deixar escapar um lamurio que seja.

 

Já cá fora, o vento despenteava o cabelo que a sua irmã que tinha vinte anos, mais velha que ele dezasseis anos, havia tentado domesticar, digamos assim. Era frio, o vento, e húmido, e cercava as pessoas que se encolhiam e tentavam resguardar-se, apertando contra si mesmas a roupa domingueira.

 

Corria pelo caminho que ficava a norte da igreja, ajudado pelo vento a subir, fazia-lhe cócegas a aragem do vento nas pernas descobertas pelos calções. Mas alguém gritava por ele:

 

"Chiquinho!"

 

Virou-se para trás e pôde ver a irmã com o cabelo castanho encaracolado ao vento, o vestido pesado, grosso, cinzento até aos tornozelos, tapando-lhe o corpo gracioso e elegante, mas mesmo assim não lhe ofuscava a beleza dos seus olhos castanhos de chocolate, doces igualmente, tinha as mãos em concha para que ele a pudesse ouvir, sobrepondo a sua voz aos sussurros demasiado altos do vento.

 

"Ainda não vamos para casa! Vamos passar em casa do Senhor Fonseca, que teve mais um filho."

 

Voltou para o arraial, a correr, como sempre. E lá desceu o caminho do cruzeiro para ir a casa do Senhor Fonseca, dos mais abastados da freguesia. Bem, não se lhe pode chamar abastado, porque na realidade eram todos bastante pobres, mas o Senhor Fonseca possuía uma casa grande, comparando com as outras e tinha algum gado.Já lá havia estado a brincar com o Manuel, um dos filhos dele, que era um pouco mais velho que ele, tinha sete anos. 

 

A casa encontrava-se repleta de pessoas que haviam saído da missa e que eram familiares, amigos ou conhecidos dos Fonseca. Encontrou pessoas que conhecia como Vanessa, a prima mais nova da Sra. Maria da Conceição, as duas parteiras Lucinda e Guadalupe, que já se haviam limpo e que estavam ali prontas a ajudar no que fosse necessário.

 

A irmã encaminhou-o para o quarto principal, onde estava Maria da Conceição, e a seu lado estava um berço tosco feito de madeira. Aproximou-se devagar do berço, e quando lhe incitaram a olhar, e ele assim o fez, apenas viu um bébé minúsculo, careca e com os olhos inchados, aliás nem se viam olhos nenhuns, não sabia se havia olhos por detrás daquelas protuberâncias. Os dedos eram igualmente pequenos. Nunca vira um bébé assim, tão perto e tão pequeno, achou-o feio, e aborrecido, não havia nada de especial ali. Todos se encontravam a olhar para ele babados enquanto ele segurava a mãozinha frágil do bébé, nem percebia se era rapaz ou rapariga. E perguntou-se a si mesmo, é só isto? Realmente não percebeu a razão de toda aquela excitação. Viu o Manuel a passar e correu atrás dele para ir brincar para o quintal.

música: Come as you are - Corvos
sinto-me: anti-social

06
Abr 08
publicado por Andi, às 22:23link do post | comentar | ver comentários (7)

Portanto, como já tinha dado a ideia e até algumas pessoas já aderiram, esta ideia de continuarem certos posts que escrevo vai para a frente. O primeiro já saiu e tem como nome "Fragmentos", possivelmente os outros também terão o mesmo nome, para se poderem orientar. Mas antes de lançar o desafio há a impor algumas regras.

1. Para cada "Fragmento" só podem haver, no máximo, cinco textos. É bastante complicado avaliar muitas continuações só para um único texto, e eleger só uma.

2. Quem quiser participar terá que se inscrever, escrevendo um comentário no post do "Fragmento". Os cinco primeiros a inscrever-se serão os que se comprometerão a escrever o resto da história. Se houver mais alguém interessado, terá de esperar por uma próxima vez.

3. Um fragmento sairá num Domingo à noite, de três em três semanas, pelo que os leitores têm esse tempo para elaborar a continuação da história.

4. A continuação do fragmento será enviada para o meu email - andi@sapo.pt - e deverá ter nome e o url do vosso blog ou site, o que quiserem pôr para se identificarem. A história não terá qualquer mínimo ou máximo de palavras, fica ao vosso critério. Mas terá que dar uma espécie de continuação e/ou final ao fragmento.

5. Todas as histórias deverão ser enviadas para o meu email até duas semanas após o fragmento ter sido escrito, para eu as colocar no blog, efectuando-se a votação online. que terá a duração de uma semana.

6.A história vencedora será editada num post juntamente com o fragmento.

E ainda não pensei muito numa forma de dar destaque a isso. Logo penso nisso, e conto também com a opinião dos possíveis participantes. Aliás, se não concordarem com estas regras, ou quiserem acrescentar algo, comentem a expressar a vossa opinião.

sinto-me: feliz :D
música: The Cure - Boys don't cry

03
Abr 08
publicado por Andi, às 20:57link do post | comentar | ver comentários (9)

O sol encontrava-se escondido por trás de nuvens negras e espessas que teimavam em aparecer, e que ameaçavam a metrópole de chuva iminente. Aquela chuva miudinha e irritante, ao início, e depois grossa, formando autênticas cordas de água. Opacas, frias, e com uma intimidade provocativa, imiscuindo-se nas roupas grossas dos transeuntes, e deslizando pela pele arrepiada de suores frios. Existia quem se pusesse debaixo da chuva só para sentir essa sensação, havia também quem a evitava a todo o custo.

Cristiano era uma dessas pessoas. Encontrava-se na estação de metro, suja e vandalizada, com cartazes publicitários anunciando produtos inúteis e fúteis , na sua opinião, e que escondiam as paredes repletas de frases escritas a corrector denunciando as paixões de miúdos imberbes e raparigas ingénuas e sonhadoras.

Nada disto lhe dizia algo, nenhuma recordação, memória por mais breve que seja era desperta na sua mente. Aliás nem conseguia pensar em nada, estava tanto frio que parecia que cortava, mas estava protegido ali, da chuva... e das outras pessoas. Os outros... Detestava a sua companhia, os seus olhares perscrutadores à procura de um sinal, uma fraqueza, olhares insaciados de mesquinhez e banalidades. Não que o conhecessem, não , ninguém o conhecia.  Também não se dava a conhecer, nem queria, nunca saía de casa, nunca, esta era uma das raras ocasiões em que era obrigado a sair de casa, tinha de ir renovar o Bilhete de Identidade, burocracias que ele dispensava bem, se o pudesse. Não saía de casa há dois anos e meio, e nada havia mudado naquela cidade cinzenta e monótona.

Ouviu o barulho do metro a chegar. E o aglomerado de pessoas a aproximar-se, afastou-se um pouco mais, ficando numa zona sombria da estação. Não gostava de se misturar no magote de pessoas, e o seu coração batia mais depressa perante a perspectiva de uma viagem de meia hora até ao local pretendido, e depois meia hora de novo para trás. Que suplício!

 

Foi o último a entrar, evitando qualquer tipo de contacto, com os outros, nem olhava as pessoas directamente. Sempre de cabeça baixa entrou no metro que se encontrava abafado, infestado de micróbios e bactérias das outras pessoas, uma amalgama de agentes infecciosos todos reunidos no mesmo lugar. Não se sentava nunca, ainda se houvesse lugar, como naquele caso não havia. Mas sentar-se onde já se sentaram milhares de pessoas fazia-lhe confusão! Portanto ficou de pé, agarrando-se aos bancos, sempre com luvas, evidentemente. Aí a porta fechou e começou a invadi-lo uma sensação de mal-estar, de sufoco, mas que conteve com muito autocontrolo .

 

*

5 minutos

Ainda não percorreram quase nada do trajecto e já estão a parar novamente, mais pessoas entram, outras saem, uma confusão de pessoas a acotovelar-se e a sofrer empurrões deste e daquele outro. E Cristiano , lá no meio, branco de não apanhar sol, com umas olheiras negras profundas, metido dentro de uma camisola preta, e umas calças de ganga que lhe ficavam a dançar, completado com um casaco comprido por cima, umas luvas e um cachecol, todos de cor escura e lúgubre, que lhe davam um aspecto estranho, no entanto não deixava de ser atraente. Cabelos luzidios pretos, olhos verdes claros e brilhantes, mãos finas e os seus vinte e seis anos à flor da pele faziam com que muitas mulheres se sentissem tentadas a olhá-lo demoradamente, ou mais que uma vez.

*

10 minutos

 

Nada disso o interessava. Não mantinha relações com ninguém, apenas tinha os avós que já eram idosos e que viviam no interior do país. Perdera os pais há uns seis anos, e desde então tem vivido sempre sozinho no seu apartamento pouco mobilado, sem fotos, sem imperfeições que mostrassem a sua vida, nenhum arranhão na madeira causado por algum salto alto de uma mulher que poderia ser a sua, nenhum objecto partido por um miúdo que poderia ser um vizinho, sobrinho, filho até! Filhos, ha !, nada mais afastado dos seus pensamentos...

Um casal de adolescentes namorava num dos bancos, trocando beijos afectuosos, dando as mãos e partilhando sorrisos e confidências. Cristiano observou-os. Observava as outras pessoas quando tinha a certeza que nenhuma delas o observava, fazia-o sentir invisível, como gostava, uma espécie de divindade que podia observar todos e saber os seus segredos, os seus vícios... Passava despercebida a maior parte dos detalhes fundamentais às pessoas comuns, que usavam o metro todos os dias e que já estavam habituadas a não ver, embora pensassem que vissem. 

Como era incrível encontrar pessoas diferentes num metro, por momentos alheadas da sua vida. Como se aquele metro fosse uma membrana protectora do que existia lá fora... Mentiras, desilusões, amargura, pessoas que ansiavam por sugar toda a felicidade que tinham, ainda que essa felicidade fosse efémera.

À sua frente encontrava-se uma senhora de, aproximadamente cinquenta anos, roliça, de cabelo pintado de castanho escuro, com olhos redondos e mortiços. Perguntou-se sobre o que a atormentava, que medos, que segredos escondia, o que fazia com que roesse as unhas até ao sabugo, e descuidasse da sua imagem, visto que as raízes apareciam brancas já. Os sapatos desamarrados, a alheação a tudo...

 

Enfim, já se começava a impacientar com a lentidão do Tempo.

*

15 minutos

Metade da viagem, e o metro cheio. O suor escorria-lhe pela cara lívida, embora o calor nem fosse tanto. Estava meio de um monte de pessoas, que falavam demasiado alto, gesticulavam expressivamente, e que não paravam de se mexer. Isso enervava-o. O que o enervava também era os solavancos do metro a arrancar e a parar, o que fazia com que os passageiros ao seu lado, caíssem por cima dele constantemente. Tentava afastar-se, mas não o conseguia fazer a tempo. Tocavam-lhe. Magoavam-no. Punham-lhe os pés por cima. Não suportava as suas caras de simpáticos, sempre murmurando um "Desculpe!", ou "Sabe como é, ir em pé...", os sorrisos afectados, tudo parecia fazer chacota dele.

Olhou para o relógio mais uma vez.

Um cheiro nauseabundo enche o ar, que se torna pestilento e doentio. Alguém vomitou. Provavelmente uma criança, de uniforme azul, que encontrou na segunda paragem, vinha com ar bastante adoentado, penso ele.

Após algum tempo, não conseguiu pensar em mais nada, apenas aquele cheiro pestilento e nauseabundo, que lhe toldava a mente, atenuava todos os outros sentidos, só conseguia lembrar-se do dia em que vomitou num autocarro, andava no sexto ano. Nem sabia como se tinha lembrado de tal facto, já havia passado tanto tempo. Já nem se reconhecia como aquele rapazinho pequeno e franzino, que usava óculos redondos, e que falava com todos, embora não tivesse muitos amigos. No entanto, o cheiro forte voltou a inundar a sua mente, e essa lembrança desvaneceu. Agarrou-se com mais força.

*

25 minutos

Reparou num rapazito franzino que se encontrava sentado uns bancos à frente, ao lado da mãe. Tinha estado parado a viagem toda, pelo menos assim parecia, pois só lhe conseguia ver a cabeça pequena. Então o rapazinho olha-o de forma estranha, inusitada com curiosidade, numa expressão que lhe devia ser intrínseca , infantil e ao mesmo tempo madura, e um pouco acusativo.

Ficou um pouco espantado, mas depois reparou melhor nas feições do menino que deveria ter uns nove anos, e não lhe eram estranhas. E isso sim, era algo quase irreal, uma vez que achava as pessoas todas iguais... Mais que curioso, sentiu-se perturbado. Afinal, não era só ele que via o que os outros não viam.

 

*

30 minutos

A porta abriu-se e saiu num misto de alívio e repreensão. Já cá fora, pôde respirar um pouco, não ar puro, mas sim uma combinação de ar e fumo proveniente das mais diversas fontes. E então lembrou-se! Já sabia quem poderia ser...

Enfiou as mãos na algibeira, e evitando as outras pessoas lá se dirigiu ao seu destino.

 

Imagem retirada de Deviantart


Como esta viagem, existem mais longas, sem grandes percalços e onde nem damos pelo tempo passar. Viagens que nos modificam e transformam. Já há três meses que viajo contigo, num ritmo  suave e tenho ganho alguma bagagem, essencial, e tenho adorado. Espero continuar a viajar...

 

sinto-me: feliz
música: Mess Around - Ray Charles

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