Estava sentada num das cadeiras escuras e desconfortáveis da cozinha. Comia vagarosamente o seu pequeno-almoço, cereais com leite. A cozinha à sua volta, branca, exceptuando as cadeiras, era incrivelmente escura... Inóspita. Era o costume. O costume de todos os dias serem iguais, de haver sempre a mesma rotina, as mesmas caras à hora exacta, as mesmas tarefas repetidas indefinidamente, o costume. Era o costume que a tornava tão amarga, muito pouco receptiva e escura, apesar da sua aparente brancura. Como Arminda, conclui Fantasia esse seu pensamento.
Pela janela havia uma ponta de luz ténue e baça que atravessava a cortina alva rendilhada e que iluminava fracamente a cozinha. Estava bastante escuro na rua, apesar de ser sete da manhã. O Verão já se havera ido embora, e nem se havia despedido dela... Queria sair à rua, essa era a razão pela qual tinha acordado mais cedo que todos, queria correr atrás do Verão pedir que ficasse, com o Outono e o Inverno, porque não poderiam ficar todos? Porquê cingir-se à monotonia de cada um, auto-impor a solidão, porquê o abandono, a solidão, o isolamento?Mas a escuridão fazia-a reprimir esse seu desejo de sair dali, fazia-a demorar a comer o pequeno-almoço.
Remexeu a colher por entre os cereais ensopados, nada daquilo lhe estava a saber bem... Mas tentou não pensar muito nisso, não tinha mais que comer. Repentinamente surge um pensamento na mente de Fantasia vindo do nada, nem sabe como o foi buscar, mas a verdade é que se interrogou como o seu búzio havia parado às mãos de José.... Será que? Não! José jamais poderia ter uma relação com um gatuno, como ela designava Pedro. O seu único amigo para além do mar era amigo, era cúmplice do ladrão do seu maior tesouro. Ainda que o tivesse devolvido, era sinal que Pedro o havia dado, ou será que José o havia tirado a ele? Era isso, José ao reconhecer o grande búzio que lhe havia dado com certeza reprimiu o rapaz e tirou-o. Restava-lhe agora saber em que circunstâncias isso tinha acontecido... Isso causava-lhe uma enorme curiosidade, pelo que decidiu apressar-se a comer, pois embora fosse Domingo e a irritante campainha só tocasse às nove, não se podia dar ao luxo de ser apanhada.
Já com a taça nas mãos delicadas, e no entanto fortes, Fantasia dirigia-se para a bancada da cozinha. Mas sente-se observada, há alguém na cozinha... Vira-se e vê Alfredo.