A água encontrava-se límpida e fresca. Gostava de ter os seus pés ali mergulhados. Pés pequenos, largos e até há pouco tempo sujos de terra, por andar descalça, tinham uma pele grossa e uma cicatriz peculiar no pé direito. Tinha espetado o pé em algo quando pequena, não se recordava. Pequena. Ah! Dizemos nós, ela não pensa em si como pequena, ela já é quase uma mulher, uma adulta. É responsável, já vai à escola, já ajuda os pais, já cuida da irmã pequena!
Mas a sua imagem de ternura com as pernas pendentes no muro, mergulhando os pés na ribeira, naquele fraco caudal que passava entre aquelas encostas pouco inclinadas, mas repletas de vegetação exuberante, provocante ao olhar e a toda a conjugação sinestésica do nosso ser, não deixava espaço para divagarmos ou levantarmos suspeitas à sua idade, à sua desenvoltura. Apesar de tudo, era ainda uma criança! Poderíamos deduzir isso das suas trancinhas negras de menina doce, do seu vestido antigo e velho, mas lavado incessantemente pela mãe, que agora se encontrava um pouco sujo, pois o sol já se estava a deitar deixando ainda um pouco de luz para podermos ver tudo como se de um sonho se tratasse, e e ela brincara todo o dia, pela sua baixa estatura... Mas eram os seus olhos que denunciavam a sua infância. Os olhos castanhos doces, como se de chocolate se tratasse, ingénuos ainda e que sonhavam fazer grandes feitos! Olhos já com um pouco de miopia, é certo, mas olhos de criança, ainda.
Que verborreia já aqui vai, e ainda não dissemos nada, apenas expusemos o que pensávamos. Que pensamentos férteis, sem dúvida! Ela, no entanto sentada não pensava, ou melhor pensava melhor do que nós todos, não é que não entendemos o seu pensamento! O silêncio. Mirava um cerrado à sua frente. Descontraidamente, com o corpo inclinado para trás e as mãos apoiadas na berma do muro pedregoso e frio.
Bloqueei. Não consigo encontrar mais nada para dizer perante esta imagem da menina à beira da ribeira, e tudo o mais envolvente. Acho que fico por aqui.
Que deprimente! Não consigo abandonar uma imagem assim desta forma reles e vulgar. Fecho os olhos durante algum tempo e depois voltarei a olhar! Talvez assim a menina já lá não esteja, e seja apenas uma simples ribeira no seu curso natural e monótono.
Está igual!! Novamente!
Olha! Que está ela fazer? Está a atravessar a ribeira! Menina louca, está a molhar-se completamente, vai ficar doente. Se ela ainda cai... Levanto um pouco mais os olhos e vejo outros olhos castanhos doces e ingénuos a olhar igualmente para a menina, e dá-lhe a mão. Já percebi. Ainda bem, posso ir-me agora.