O escuro instalou-se na sala. Ela estava sozinha nela, pelo menos assim o pensava.
"O único medo que os Homens têm realmente é de um quarto escuro", haviam-lhe dito, e era verdade. O terror propagava-se pelo seu corpo numa espécie de tremor crescente, que se tornava num espasmo quase que religioso a uma divindade antiga, o seu corpo baloiçava, as mãos enconstadas contra o seu peito pediam perdão pelo que não havia feito antes, o que havia feito não lhe dava remorsos, eram os seus projectos por acabar que a angustiavam, a falta de sentido da sua não existência...
Pensamentos sombrios como o quarto perpassavam-lhe pela mente. O escuro conferia uma clareza de pensamentos que nunca antes havia tido. Era assustador. Nestas ocasiões os seus espasmos aumentavam, ficava com dificuldade em respirar, a simplicidade com que via o que tinha sido a sua vida, e quão insignificante tinha sido, e como gostava de alterar isso, mas permanecia no escuro onde era possível perceber isso, mas nada era possível fazer. Um paradoxo instalou-se, sabia que se voltasse para a luz, não teria essa lógica imperturbável, não conseguiria fazer o que deveria.
Os olhos dela, ainda abertos, com a pupila dilatada fecharam-se, e, por momentos a sala ficou menos escura.
Faltam 151 dias para o concerto.